História
O Prêmio
História
O Prêmio
Esta é uma história de amor e de reverência à Música Popular Brasileira.
Nasceu como Prêmio Sharp, em 1987, e manteve esse nome por mais de uma década – até 1998. Uma grande marca dava um novo incentivo à cultura nacional, como uma merecida festa para celebrar o talento e a riqueza da música produzida em todos os cantos do País em seus diversos gêneros e estilos!
Posteriormente, recebeu o nome de Prêmio TIM de Música (de 2003 a 2008).
Ao longo de todos estes anos, seu idealizador, José Maurício Machline, contou com diversas parcerias. Em 2009, numa empreitada ousada, Machline resolveu realizar a premiação sem patrocínio, contando apenas com a ajuda de amigos, artistas e fornecedores, um grupo de apaixonados pela causa como ele. Isto comprovou a importância do Prêmio da Música como referência imprescindível para a cultura brasileira. A homenageada daquela 20ª edição do Prêmio foi a grande Clara Nunes.
No ano seguinte e até sua 26ª. edição, em 2015, o Prêmio da Música Brasileira foi patrocinado pela Vale, sem no entanto carregar mais no seu título o nome da principal apoiadora.
Nesta história de talento, reverência e referência da cultura nacional, o Prêmio da Música Brasileira prestou ano a ano homenagens a grandes nomes da música do País. Foram eles: Tom Jobim, João Bosco, Noel Rosa, Dona Ivone Lara, Clara Nunes, Dominguinhos, Zé Keti, Jair Rodrigues, Baden Powell, Lulu Santos, Ary Barroso, Gal Costa, Jackson do Pandeiro, Rita Lee, Milton Nascimento, Elis Regina, Gilberto Gil, Ângela Maria & Cauby Peixoto, Luiz Gonzaga, Elizeth Cardoso, Maysa, Dorival Caymmi e Vinícius de Moraes. Em sua 25ª edição, o Prêmio da Música Brasileira homenageou, pela primeira vez, não um artista, mas um ritmo: o Samba.
Na edição de 2015, o Prêmio voltou a destacar a grandiosidade de um artista brasileiro, homenageando Maria Bethânia. A comemoração foi dupla, uma vez que o ano também marca o jubileu de ouro da cantora, com seus 50 anos de carreira.
O Prêmio da Música Brasileira segue fazendo história!
Luiz Melodia
É com muita satisfação que em 2018 o Prêmio da Música Brasileira homenageou o cantor e compositor Luiz Melodia, falecido em agosto de 2017, aos 66 anos. Nascido no Morro de São Carlos, no Estácio, em 1951, filho do funcionário público e músico amador Oswaldo Melodia e da costureira Eurídice, nossa Pérola Negra foi o artista homenageado desta edição e sua grandeza na história da música brasileira se faz a nossa inspiração.
Ney Matogrosso
Se pudéssemos definir Ney em apenas uma palavra ela seria: "único". Um dos maiores intérpretes e performers da história da música brasileira, e um dos raros cantores que conseguiu permanecer relevante em cena ao longo de cinco décadas.
Nesses quase 50 anos de carreira, Ney alcançou feitos inigualáveis. Fez parte da icônica banda Secos & Molhados (1973-1974) e foi considerado pela revista Rolling Stone a terceira maior voz da música brasileira. Com dez anos no cenário musical, já possuía 2 discos de platina e 2 de ouro, e tudo isso foi apenas a ponta do iceberg para o artista, que já lançou mais de 30 álbuns em carreira solo, que serão detalhados aqui, no site do PMB.
Mas o ponto forte de Ney são os palcos, alí o artista se transforma, coloca sua fantasia, sua maquiagem, incorpora seus inúmeros personagens e cativa o público, quase de um modo hipnotizante, com seu jeito sexy, corajoso, poderoso, cru e sincero de ser, sem tabus. Praticamente um camaleão, que muda a cada álbum, a cada turnê e que nos deixa sedentos para saber o que vem a seguir.
"Jurei mentiras e sigo sozinho, assumo os pecados
Os ventos do norte não movem moinhos
E o que me resta é só um gemido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minha alma cativa
Rompi tratados, traí os ritos
Quebrei a lança, lancei no espaço
Um grito, um desabafo
E o que me importa é não estar vencido
Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,
Meu sangue latino, minha alma cativa"
Gonzaguinha
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, mais conhecido como Gonzaguinha, nasceu no Rio de Janeiro, dia 22 de setembro de 1945.
O cantor escreveu sua primeira canção “Lembranças da Primavera” aos 14 anos de idade, lá em 1961. Aos 16 anos, estudou economia na Universidade Cândido Mendes, mas foi somente na casa do psiquiatra Aluízio Porto Carrero que a história musical deste astro começou. Foi nessa convivência na casa do psiquiatra que criou o Movimento Artístico Universitário (MAU), com ninguém menos que Aldir Blanc, Ivan Lins, Márcio Proença, Paulo Emílio e César Costa Filho. O movimento teve enorme papel na música popular do Brasil nos anos 70 e em 1971 resultou no programa na TV Globo Som Livre Exportação.
Na época, por conta da ditadura, 54 das suas 72 músicas enviadas ao DOPS foram censuradas, mas foi daí que o cantor conseguiu seu primeiro grande sucesso, “Comportamento Geral”. Por estar no começo da carreira musical, Gonzaguinha recebeu o apelido de “Cantor Rancor”, por conta de suas letras ásperas, como a música “Piada Infeliz e Erva”. Após esse período, seguiu para um lado mais “popular”, para ganhar o amor da grande massa com “Começaria Tudo Outra Vez”, “Explode Coração”, “Grito de Alerta” e “O que É o que É”, e até “Nem o Pobre nem o Rei”.
Gonzaguinha teve suas músicas regravadas por Maria Bethânia, Zizi Possi, Elis Regina. Abriu seu próprio selo “Moleque”, lançou mais de 19 álbuns de estúdio, inspirando novos artistas até hoje.
“Eu fico com a pureza da resposta das crianças:
É a vida! É bonita e é bonita!
Viver e não ter a vergonha de ser feliz,
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus! Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita”
Maria Bethânia
Mais de 50 anos de carreira, eleita pela revista Rolling Stone a quinta maior voz da música brasileira e 26 milhões de álbuns vendidos, estamos falando de ninguém menos que Maria Bethânia.
A cantora começou o seu legado lá em 1960, quando mudou para Salvador ao lado do seu irmão Caetano Veloso. Três anos depois, estreou como cantora na peça Boca de Ouro de Nelson Rodrigues. Em 1964, participa do show “Nós, Por Exemplo”, ao lado de Caetano, Gal Costa, Gilberto Gil e Tom Zé, na inauguração do Teatro Vila Velha, em Salvador. No ano seguinte, gravou seu primeiro disco, o “Maria Bethânia” e nele veio seu primeiro grande hit “Carcará”.
Vieram inúmeros álbuns e sucessos e Bethânia inovou nos palcos, fazendo shows intercalados com poemas e trechos de textos da literatura, um formato que agradou muito ao público e, quase sempre, se transformou em DVDs.
Maria Bethânia foi a criadora do grupo “Doces Bárbaros”, de 1976, com Gil, Caetano e Gal, que acabou virando filme, DVD, enredo da Mangueira de 94, e, até mesmo, uma apresentação especial para a rainha da Inglaterra.
Também foi a primeira cantora do Brasil a vender 1 milhão de cópias de um único CD com o disco “Álibi”, fato que se repetiu várias vezes. É dona de um dos mais famosos shows da história da música brasileira, o “Rosas dos Ventos”, de 1971.
A cantora é uma visionária da música do nosso país e merece que seu legado seja lembrado para sempre.
“Eu tenho Zumbi, Besouro o chefe dos tupis,
Sou tupinambá, tenho os erês, caboclo boiadeiro,
Mãos de cura, morubichabas, cocares,
Zarabatanas,curares, flechas e altares.
À velocidade da luz, no escuro da mata escura, o breu o silêncio a espera.
Eu tenho Jesus, Maria e José, todos os pajés em minha companhia,
O Menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos, o poeta me contou.”
O Samba pede passagem
Após vinte e quatro edições celebrando grandes compositores e intérpretes, o Prêmio da Música Brasileira pede passagem para comemorar seu primeiro quarto de século com um tributo ao gênero que virou sinônimo de Brasil e da brasilidade. Matriz da nossa música popular, original contribuição para o mundo, ele chegou ao século XXI esbanjando vigor e diversidade invejáveis: samba, samba-enredo, pagode, samba de roda, samba-canção, sambolero, samba-jazz, samba-rock, samba exaltação, sambalanço, samba de breque, sambanejo, samba rap, samba o que Deus quiser… A história de tamanha riqueza vai ser cantada e exaltada na cerimônia de entrega dos troféus da 25ª edição do Prêmio, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Baianos e cariocas já disputaram com fervor a sua paternidade. Mas essa é daquelas discussões sem fim e, nos últimos tempos, as duas partes, e muitos outros interessados e estudiosos, concordam que foi na então capital federal, nas duas primeiras décadas do século XX, que o gênero se consolidou e ganhou o seu padrão, a sua batida básica. Ou o “bum bum paticumbum prugurundum”, a onomatopeia que Ismael Silva cunhou para definir o estilo que ajudou a formatar com a turma do Estácio, bambas que também fundaram, em 1927, a Deixa Falar, aquela que teria sido a primeira escola de samba
Indo mais fundo no passado, como o sambista, escritor e pesquisador Nei Lopes sustenta no livro “Sambeabá: o samba que não se aprende na escola”, a palavra seria de procedência banto, “a grande família etnolinguística à qual pertenciam, entre outros, os escravos no Brasil chamados angolas, congos, cabindas, benguelas, moçambiques”. Corruptela de “semba”, empregada para designar um tipo de dança, a “umbigada” que os dançarinos usavam para introduzir na roda um novo parceiro, inicialmente o termo era usado indistintamente para diferentes ritmos de raiz africana ou festas em geral. Mas há quem aponte outras origens para o nome, incluindo “zamba”, dança espanhola de raízes mouras do século XVI. No entanto, independentemente dessa semelhança fonética, os ritmos e batuques do nosso samba vieram mesmo é da África.
A gênese desse samba moderno se deu a partir de diferentes fontes, que, no fim do século XIX, convergiram para o local chamado de Pequena África pelo sambista e artista plástico Heitor dos Prazeres. Essa área do Rio que ia das Docas à Cidade Nova concentrou grupos diversos: a grande comunidade afro-baiana, com suas “tias” e as tradições dos terreiros de candomblé e dos sambas de roda; ex-combatentes da Guerra de Canudos que formaram a primeira favela, no Morro da Providência; famílias que saíram do Vale da Paraíba em função da crise da cafeicultura; e demais migrantes mestiços e afro-brasileiros de diferentes regiões.
Uma das baianas radicadas na então Praça Onze, Tia Ciata sintetiza e simboliza muito dessa história. Nascida em 1854 em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, Hilária Batista de Almeida chegou ao Rio em fins dos anos 1870 e se tornou respeitada doceira, pelos quitutes que vendia em seu tabuleiro vestida a rigor (saia rodada, turbante, pano da costa, colares e pulseiras…). Em sua casa, os pagodes (as festas, e não o ritmo, com comida, bebida e muita música) também passaram a atrair intelectuais, políticos e jornalistas. Na sala de visita, rolavam rodas de choro, a partir de estilos europeus então em voga como valsa e polca, enquanto no fundo do quintal aconteciam os batuques de candomblé, numa época em que os cultos de origem africana eram alvo da repressão policial.
Reuniões festivas como essa se espalhavam por toda a Pequena África, mas foi na casa de Tia Ciata, em 1916, que teria nascido aquele que ficou conhecido como o primeiro samba gravado, “Pelo telefone” (com o cantor Baiano e a Banda Odeon, em disco lançado pela Casa Edison para o Carnaval de 1917). Na verdade, ritmicamente, era mais um maxixe ou um samba “amaxixado”, e, como pesquisas posteriores revelam, pelo menos dois discos já tinham sido lançados antes com o rótulo de “samba”: “Em casa de baiana” (1913) e “A viola está magoada” (1914).
“Pelo telefone”, todavia, foi o que fez sucesso e ficou com a fama, mesmo que também cercado pela polêmica em torno de sua autoria. Ele surgiu numa roda de improvisos com a participação de, entre outros, João da Mata, Sinhô, Hilário Jovino, João da Baiana, China e Donga, mas foi registrado pelo último, que depois acrescentou ao contestado crédito o nome de Mauro de Almeida.
No fim dos anos 1920, ao criar a “Deixa Falar”, a turma do Estácio também lançou as bases do samba moderno. Diferentemente dos espontâneos blocos de sujos da época, o grupo criado por Ismael, Bide, Marçal, Newton Bastos e companhia tinha alguma organização, cores oficiais (vermelho e branco) para suas fantasias, uma ala de baianas e, no que foi decisivo para a mudança, o instrumental apenas percussivo (sem os sopros usados por blocos e ranchos) e a batida do tal “bum bum paticumbum prugurundum”, que estimulava o desfile (e não a dança restrita às rodas). Logo esse tipo de samba, mais urbano e sincopado, também começou a imperar em demais morros cariocas e nos subúrbios da Central. Enquanto isso, outra vertente, a do samba-canção, aberta à influência do foxtrote, então o ritmo estrangeiro do momento, também ganhava espaço em meios aos compositores e intérpretes. Assim, entre o morro e o asfalto, o novo estilo se estabeleceu e prosseguiu sua expansão, tendo como aliado o disco e o rádio, nas mãos e nas vozes de gente como Noel Rosa, Carmen Miranda, Wilson Baptista, Mário Reis, Francisco Alves, João de Barro, Ary Barroso, Henrique Vogeler, Custódio Mesquita, Linda Baptista, Aracy de Almeida, Dorival Caymmi, Lupicínio Rodrigues, Moreira da Silva, Synval Silva, Assis Valente, Geraldo Pereira, Zé da Zilda, Ataulfo Alves, Adoniran Barbosa, Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Manacéa, Dona Ivone Lara, Batatinha, Riachão, Paulo Vanzolini, Candeia, Monarco, entre tantos outros.
A partir do fim dos anos 1950, mesmo que presente na bossa nova, na MPB e em diferentes fusões (como samba-jazz, sambalanço e samba-rock), o gênero perdeu algum espaço no mercado, na grande mídia. Por uns tempos, ficou restrito às escolas de samba, praticado nos morros e nos fundos de quintal. Contudo, voltou mais forte ainda uma década depois, graças a gente como Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Nei Lopes, Wilson Moreira, João Nogueira, Clara Nunes, Beth Carvalho, Alcione, Eduardo Gudin, etc. Um processo de revigoramento que prosseguiu no fim dos anos 1980, com a geração do pagode, e que desde então vem evoluindo com Jovelina Pérola Negra, grupo Fundo de Quintal, Almir Guineto, Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Sombrinha, Roque Ferreira, Moacyr Luz, Dorina, Diogo Nogueira, etc.
A escolha do tema de homenagem desta 25ª edição do Prêmio da Música Brasileira é uma reverência a todos esses nomes que fizeram e fazem parte da história do samba, este gênero único, de ancestrais raízes africanas, mas que nasceu no Brasil, rodou o planeta Terra e já tocou até em Marte.
*Texto extraido do livro 25 anos do Prêmio da Música Brasileira
Tom Jobim
Ele é automática e justamente associado à bossa nova, mas a obra de Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim não se prende ao estilo que ajudou a criar. Além do samba estilizado que ultrapassou as fronteiras do Brasil e rodou o mundo, Jobim mostrou suas ambições sinfônicas (revelando a paixão pela obra de Villa-Lobos), fez choro, modinha e jazz (e teve seu repertório adotado por alguns dos maiores expoentes do gênero, de Miles Davis a Ella Fitzgerald). Música pop no seu sentido mais amplo, como as centenas de regravações ao redor do mundo não param de confirmar.
Carioca nascido na Tijuca e criado desde 1 ano no então areal que era Ipanema, Jobim encantou-se pelo piano na adolescência. Tentou ser concertista clássico, mas a professora percebeu logo que ali estava um compositor de carreira promissora. Antes de abraçar a música como profissão, entro na faculdade de arquitetura e chegou a estagiar num escritório do ramo. Não aguentou mais que um ano, trocando as pranchetas e os cálculos pela vida noturna de pianista em bares e boates da Zona Sul carioca. Em 1952, foi contratado como arranjador pela gravadora Continental, passando em seguida para a Odeon, ao mesmo tempo em que se dedicava à composição.
Nesse início dos anos 1950, começou a ter suas músicas gravadas e, em 1954, emplacou seu primeiro sucesso, "Tereza da Praia", parceria com Billy Blanco gravada em duo por Dick Farney e Lúcio Alves. Também com Blanco, no mesmo ano lançou a "Sinfonia do Rio de Janeiro". Mas foi a partir do encontro com Vinicius de Moraes, em 1956, na peça musical "Orfeu da Conceição", que a carreira de Tom decolou de vez. Dois anos depois, a dupla foi além no disco de Elizeth Cardoso Canção do amor demais, estabelecendo o padrão melódico e poético da moderna canção brasileira que se instaurou com a bossa nova.
Conversador nato, Jobim teve muitos outros parceiros, numa lista que incluiu Marino Pinto, Dolores Duran, Newton Mendonça, Aloysio de Oliveira e Chico Buarque. Foi também letrista excepcional, antes, durante e depois do encontro com Vinicius, compondo música e letra de obras-primas como "Águas de Março" (e sua versão para o inglês, "Waters of March", na qual, num preciosismo estilístico, evitou o uso de palavras de raiz latinas, privilegiando as anglo-saxãs), "Samba do avião", "Fotografia", "Borzeguim", "Lígia", "As praias desertas", "Luiza", Chansong", "Two kites"e "Passarim".
Só ou com seus parceiros, Tom Jobim tornou-se o compositor brasileiro mais gravado no mundo.
"É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é um ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto"
João Bosco
Revelado no início dos anos 1970, João Bosco logo conquistou seu lugar no disputado campo de cantores, compositores e violonistas da MPB com um estilo reconhecível aos primeiros acordes. A estrela fonográfica como cantor, por sinal, não podia ser mais emblemática: em 1972, "Agnus sei" (parceria com o letrista Aldir Blanc) inaugurou a série Disco de Bolso criada pelo semanário O Pasquim. A canção gravada por Bosco era o lado B do compacto em que Tom Jobim também apresentava ao Brasil e ao mundo o clássico instantâneo "Águas de março".
No mesmo ano do aval jobiniano, Elis Regina, mais uma personagem fundamental na carreira do compositor, gravou outra música da parceria Bosco & Blanc, "Bala com bala". Após esse duplo batismo, a musicalidade de João Bosco não parou de crescer e aparecer.
Nascido em Ponte Nova, Minas Gerais, a música o acompanhou desde a infância. Aos 4 anos, já mostrava jeito para o canto na igreja frequentada pela família. Aos 12, ganhou um violão e formou um grupo de rock, X-Gare. Em 1967, morando em Ouro Preto, onde começou o curso de engenharia sem largar o violão, conheceu Vinicius de Moraes, com quem chegou a fazer algumas canções.
Descendente de libaneses por parte de pai, em sua formação misturou o rico folclore mineiro que embalou sua infância com o nascente rock e os boleros que ouviu na adolescência, a bossa nova e o jazz em que passou a mergulhar no início dos anos 1960, além da influência de colegas de geração como Milton Nascimento e Gilberto Gil. Desse caldo, nasceu sua singularidade, que, na primeira década de carreira, também teve a contribuição decisiva do parceiro carioca Aldir Blanc, que conheceu em 1970. Já a partir do final dos anos 1980, Bosco soube se reinventar sozinho ou com novos parceiros, como Abel Silva, Capinam, Martinho da Vila, Waly Salomão, Antonio Cícero, João Donato e Francisco Bosco, entre outros.
Tão bom quanto o compositor é o cantor e violonista, como provam os quase trinta discos que lançou nas últimas quatro décadas. Entre eles, o CD e DVD com o registro do show com Alcione, Leila Pinheiro, Mariana Aydar, Péricles e Banda Mantiqueira que rodou o Brasil em 2012, na turnê do 23o Prêmio da Música Brasileira.
"Responderei não!
Dominus dominium juros além
Todos esses anos Agnus Sei que sou também
Mas ovelha negra me desgarrei
O meu pastor não sabe que eu sei
Da arma oculta na sua mão
Meu profano amor eu prefiro assim
À nudez sem véus diante da Santa Inquisição
Ah, o tribunal não recordará
Dos fugitivos de Shangri-lá
O tempo vence toda a ilusão"
Noel Rosa
Noel Rosa faleceu em 1937, aos 26 anos, vítima da tuberculose, mas suas músicas continuam atualmente presentes no repertório dos principais intérpretes da música brasileira. Em sua curta vida, deixou enorme e influente obra: foram cerca de 300 canções que, entre outras virtudes, ajudaram a formatar o samba urbano que passou a imperar no Brasil.
Além de pioneiro no estilo que ajudou a criar, Noel de Medeiros Rosa foi transgressor. Em uma época em que a carreira artística era sinônimo de malandragem, teve a ousadia de largar o curso de medicina para fazer música popular e viver dela. Também rompeu com o racismo velado que imperava no período, convivendo e compondo com os compositores negros dos morros cariocas, como Ismael Silva e Cartola.
Noel começou a despontar em 1929 no Bando de Tangarás, grupo regional com repertório de cocos e emboladas do qual participou ao lado de, entre outros, Braguinha e Almirante. Em 1930, emplacou aquele que seria seu primeiro grande sucesso popular, "Com que roupa?", samba até hoje cantado e regravado.
Seu talento foi reconhecido no curto período de vida, colecionando muitos outros sucessos, gravados pelos principais intérpretes dos anos 1930, como Carmen Miranda, Francisco Alves, Mário Reis, Marília Baptista, Orlando Silva e Sílvio Caldas, ou na sua própria e pequena voz. Entre as marcas inovadoras de Noel está o uso da linguagem coloquial que transformou seus sambas em deliciosas crônicas urbanas, atuais oito décadas depois, como provam pérolas como "Conversa de botequim", "O xis do problema", "Três apitos", "Feitiço da Vila", "Palpite infeliz", "Com que roupa?", "Gago apaixonado" e "Não tem tradução".
Após a morte, sua obra passou por alguns anos de esquecimento, entre outros motivos pelo fato de seus contemporâneos, gente como Ary Barroso, Custódio Mesquita, Ismael Silva e Dorival Caymmi, estarem muito vivos e ativos. Mas, no início dos anos 1950, uma série de três discos lançados por Aracy de Almeida pela gravadora Continental detonou uma redescoberta de Noel Rosa, que também teve seus discos de 78 rotações reunidos em LPs. Desde então, as regravações têm sido constantes, assim como as homenagens e os estudos sobre um fascinante e cada vez mais influente personagem.
"Eu já corri de vento em popa
Mas agora com que roupa?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou?"
Dona Ivone Lara
Compositora com uma obra grandiosa, Dona Ivone Lara também tem um trajeto de vida admirável. Nascida num meio musical, filha de um violonista e de uma pastora de blocos, perdeu os pais aos 6 anos e foi viver num orfanato, onde depois teve aulas de música com a primeira mulher do compositor clássico Villa-Lobos, Lucília.
Aos 12 anos, compôs seu primeiro samba ("Tiê, tiê"); aos 17, aprendeu cavaquinho; aos 25, já vivendo no bairro de Madureira, começou a frequentar a escola de samba Prazer da Serrinha, onde conheceu bambas e futuros parceiros como Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Aniceto. Foi na Serrinha que, em 1947, tornou-se a primeira mulher a entrar no clube do bolinha dos compositores de sambas-enredos, com "Nasci pra sofrer". Até então, um primo, também compositor, Mestre Fuleiro, apresentava as músicas como dele, para driblar o preconceito que vigorava.
Ainda em 1947, ela estaria entre os dissidentes que criaram a Império Serrano. Além de sair na ala das baianas da nova escola, Ivone continuou participando da ala de compositores e, em 1965, estava entre os autores de "Os cinco bailes da história do Rio" (com Silas de Oliveira e Bacalhau), samba-enredo que deu o quarto lugar à Império Serrano no carnaval daquele ano.
Em seu trajeto, Dona Ivone Lara conciliou a profissão de enfermeira (trabalhando com a revolucionária psiquiatra Nise da Silveira) com a paixão pela música, compondo dezenas de sambas e participando das rodas de samba do Teatro Opinião nos anos 1960 e de programas de rádio e televisão na década seguinte. Em 1974, gravou seu primeiro álbum solo, Samba minha verdade, samba minha raiz. Três anos depois, ganhou reconhecimento nacional graças ao sucesso de "Sonho meu" (parceria com Délcio Carvalho) nas vozes de Maria Bethânia e Gal Costa. A partir daí, aumentaram os convites para shows e novos discos, e Dona Ivone Lara firmou-se como uma das compositoras mais gravadas das últimas décadas, emplacando sucessos como "Alguém me avisou", "Não chora neném", "Enredo do meu samba", "Alvorecer", "Acreditar" e "Nasci para sonhar e cantar".
Além de parceiros como Mano Décio da Viola, Silas de Oliveira e Délcio Carvalho, fez sambas com Rildo Hora, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, Sombrinha, Paulinho Mocidade, Bruno Castro e até Caetano Veloso, letrista de "Força da imaginação".
"Do amor sou madrugada
Que padece e não esquece
E que há sempre um amanhã
Para o seu pranto secar"
Clara Nunes
Órfã de pai e mãe aos 6 anos, operária de uma fábrica de tecidos a partir dos 14 anos, Claro Francisca Gonçalves Pinheiro cresceu muito longe do glamour da estrela popular que se tornou nos anos 1970. Nascida em Cedro, então distrito da cidade mineira de Paraopeba, e a partir de 1953 município de Caetanópolis, em 1957 ela se mudou para Belo Horizonte, onde nos primeiros anos manteve uma dura rotina.
Trabalhando como tecelã durante o dia e fazendo o curso normal à noite, Clara tinha os fins de semana para se dedicar à música, cantando no cora da igreja de seu bairro. Aos poucos, a jovem de belo timbre, forte extensão vocal e técnica apurada começou a se destacar. Participou de concursos de calouros, foi contratada pela Rádio Inconfidência de Belo Horizonte e ganhou um programa na TV Itacolomi, também na capital mineira, até, em 1965, mudar para o Rio e ser contratada pela gravadora Odeon.
Seus dois primeiros discos continham boleros e sambas-canções com repertório e arranjos ainda aquém da grande intérprete que já mostrava ser. Quando acertou o foco, assessorada pelo então companheiro, o produtor e radialista Adelson Alves, Clara Nunes tornou-se a maior cantora de samba de sua geração, diva e musa da Portela. Em 1975, ao se casar com o compositor e produtor carioca Paulo César Pinheiro, já era a maior vendedora de discos no Brasil, usando desse prestígio para continuar atrás de novos caminhos para sua arte.
Além da voz perfeita para os grandes nomes do samba e da MPB que passou a gravar, Clara Nunes adicionou elementos do folclore e das religiões afro-brasileiras em sua música e em seu visual, reforçando a difusão de ritmos baianos como samba de roda, ijexá e afoxé. Também gravou ritmos nordestinos, numa pioneira ponte do samba com o forró. Seu repertório conjugou apelo popular e excelência artística em canções como "Conto de areia", "Feira de Mangaio", "Canto das três raças", "Nação", "Morena de Angola", "Serrinha" e "O mar serenou", e sua voz ultrapassou nossas fronteiras, chegando forte à Europa e à África, especialmente a Angola.
"A lua brilhava vaidosa
De si orgulhosa e prosa
com que Deus lhe deu
Ao ver a morena sambando
Foi se acabrunhando então
adormeceu o sol apareceu"
Dominguinhos
Principal herdeiro musical de Luiz Gonzaga, com quem trabalhou no início da carreira, Dominguinhos foi além do rico balaio de ritmos nordestinos que ajudou a manter em alta. Um músico completo, esse pernambucano de Garanhuns tocou de tudo um pouco na noite carioca e paulistana até ganhar espaço para seu forró. Também foi o autor de muitas canções clássicas da MPB, algumas em parceria com Chico Buarque ("Tantas palavras" e "Xote de navegação"), Nando Cordel ("De volta pro aconchego") e Gilberto Gil ("Lamento sertanejo").
José Domingos de Morais teve como primeiro professor o pai, Mestre Chicão, um exímio sanfoneiro e afinador de sanfonas. Em 1950, aos 9 anos, Gonzagão o viu tocando na porta de um hotel em Garanhuns e o incentivou a viajar para o Rio. Quatro anos depois, acompanhado do pai e de dois irmãos, Dominguinhos procurou o Rei do Baião e foi incorporado ao seu grupo, participando de shows pelo Brasil e de gravações em estúdio.
Nos anos 1960, período em que os ritmos nordestinos perderam espaço no eixo Rio-São Paulo e na mídia, Dominguinhos lançou seus três primeiros álbuns solo. Mas o sanfoneiro, compositor e cantor só começou a ser notado em 1973, depois de ser convidado por Guilherme Araújo (empresário que ajudou a lançar a Tropicália) e Gilberto Gil para participar da banda de Gal Costa no Festival Midem, em Cannes. Em seguida, passou a tocar com Gil e entregou para ele um dos seus maiores sucessos nos anos 1970, "Eu só quero um xodó" (parceria com Anastácia).
Depois disso, Dominguinhos lançou discos solo regularmente e teve composições gravadas por intérpretes tanto do forró quanto da MPB. Em sua extensa discografia, há também mostras de sua técnica exuberante, enveredando por improvisos jazzísticos, como no álbum que gravou em 2003 com dois outros sanfoneiros fora de série, Sivuca e Oswaldinho do Acordeon (Cada um belisca um pouco), e nos dois CDs que fez em dupla om o violonista Yamandu Costa, em 2007 e 2010.
"Eu só quero um amor
Que acabe o meu sofrer
Um xodó pra mim do meu jeito assim
Que alegre o meu viver"
Zé Keti
A competição é acirrada, mas, em um hipotético time que reunisse os maiores craques do samba, o carioca José Flores de Jesus seria titular absoluto. A lista de gols de placa que ele fez em cerca de cinco décadas de carreira inclui "Acender as velas", "Malvadeza durão", "Máscara negra", "Opinião", "Diz que eu fui por aí", "Meu pecado" e "A voz do morro". Este último, com os emblemáticos versos "Eu sou o samba / a voz do morro / sou eu mesmo, sim senhor...", foi lançado em 1954 (na voz de Jorge Goulart e com arranjos de Radamés Gnattali) no filme inaugural do Cinema Novo, Rio 40 graus, no qual o sambista também atuou e foi assistente de câmera.
Zé Keti (o nome artístico é a corruptela de seu apelido de infância, "Zé Quietinho", e através da carreira foi eventualmente grafado como Kétti ou Kéti) também contribuiu com músicas para outros filmes decisivos do Cinema Novo, incluindo O grande momento (de Roberto Santos), A falecida (de Leon Hirszman), A grande cidade (de Carlos Diegues) e mais dois longas-metragens de Nelson Pereira dos Santos, Rio Zona Norte e Boca de ouro. Esse "homem-samba", integrante do grupo de compositores da Portela, foi, em 1962, o idealizador do grupo A Voz do Morro, que lançou três álbuns e, ao lado de Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho e Nelson Sargento, apresentou o então iniciante Paulinho da Viola. Dois anos depois, ao lado de Nara Leão e João do Vale, Zé Keti também foi um dos intérpretes do lendário show Opinião, que, em 1964, já protestava contra o nascente regime militar e, em 1965, foi o palco que revelou ao Brasil a jovem Maria Bethânia, escalada por Nara para substitui-la no elenco.
Em 1996, no disco 75 anos de samba, Zé Keti comemorou o aniversário ao lado de artistas como Zeca Pagodinho, Wilson Moreira, Monarco e Cristina Buarque. Até 1999, quando nos deixou aos 78 anos, também recebeu homenagens da Portela e viu muito de sua obra ser regravada por novos intérpretes, entre eles o cantor Zé Renato, no disco Natural do Rio de Janeiro.
"Salve o samba, queremos samba
Quem está pedindo é a voz
do povo de um país
Salve o samba, queremos samba
Essa melodia de um Brasil feliz"
Jair Rodrigues
Paulista de Igarapava, Jair Rodrigues de Oliveira começou a carreira como crooner em casas noturnas do interior. Em 1957, foi contratado por uma emissora de rádio da cidade de São Carlos e, três anos depois, mudou-se para São Paulo. Estreou em disco em 1962, em um compacto com duas músicas feitas para a Copa do Mundo daquele ano, "Brasil sensacional" e "Marechal da vitória".
Após essa estreia campeã como a seleção brasileira de futebol, Jair lançou em 1964 seus dois primeiros álbuns: Vou de samba com você e O samba como ele é. Mas a consagração nacional veio a partir de 1965, quando formou dupla com Elis Regina para o show Dois na bossa. Registrado em um disco ao vivo de estrondoso sucesso, esse encontro prosseguiu no programa de televisão "O fino da bossa", apresentado na TV Record por Elis e Jair, e rendeu mais dois volumes de Dois na bossa, lançados em 1966 e 1967.
Em sua carreira, o formidável cantor, de grande extensão vocal e timbre marcante, vai do samba à música caipira com brilho e naturalidade. Não fosse suficiente, também antecipou o rap muito antes de o gênero nascer nas ruas de Nova York, ao lançar em 1964 "Deixa isso pra lá", samba com um refrão falado de Alberto Paz e Edson Menezes que foi um dos maiores sucessos brasileiros do período.
Nesses primeiros anos de carreira, ainda gravou duas outras canções que se tornaram clássicos: "Disparada", a toada de Geraldo Vandré e Théo de Barros que em 1966 dividiu com "A banda", de Chico Buarque, o primeiro lugar do II Festival da Música Popular Brasileira, e o samba "Tristeza", de Haroldo Lobo e Niltinho, um dos maiores sucessos do carnaval de 1966.
Desde a década de 1970, Jair Rodrigues passou a se apresentar regularmente fora do Brasil, num circuito que incluiu Argentina, Portugal, Alemanha, Estados Unidos, França, Japão e Itália. Nos últimos anos até seu falecimento, em 2014, renovou seu público em projetos que também envolveram seus filhos, os cantores e compositores Luciana Mello e Jair Oliveira.
"Quero voltar àquela vida de alegria
Quero de novo cantar
Lá Laiá Lá..."
Baden Powell
A parceria com Vinicius de Moraes já seria suficiente para lhe garantir um lugar entre os mestres da nossa cultura. Afinal, entre outras preciosidades, a dupla criou a série de afro-sambas, um profundo mergulho nas tradições do candomblé que abriu novas e influentes vertentes ara a música popular brasileira. Mas Baden Powell de Aquino fez muito mais, rodando o mundo como um dos maiores violonistas de todos os tempos, admirado por guitarristas de diferentes escolas.
Filho de um sapateiro que, nas horas vagas, era violonista e escoteiro (daí a homenagem ao pai do escotismo no nome do filho), o talento de Baden apareceu cedo. Estimulado pelos saraus que aconteciam na sua casa, no bairro carioca de São Cristóvão, frequentados por nomes como Pixinguinha, Donga, João da Baiana e Jaime "Meira" Florence, ele começou a tocar violão aos 8 anos. Aos 13, já recebia seus primeiros cachês como profissional. Além das aulas com Meira (exímio violonista em regionais do choro e do samba e mais tarde também professor de Raphael Rabello e Maurício Carrilho), o jovem Baden estudou violão clássico, ouviu virtuoses do jazz como Django Reinhardt e Barney Kessel e, nos anos 1950, conviveu e tocou com os artistas que criaram a bossa nova.
Muito requisitado como músico nos estúdios e nos palcos, Baden também despontou como compositor na década de 1950. Seu primeiro grande sucesso, "Samba triste", parceria com Billy Blanco, foi lançado em 1956. Após o encontro em 1962 com Vinicius, que rendeu músicas como "Samba em prelúdio", "Canto de Ossanha", "Deixa", "Labareda", "Berimbau", "Formosa", "O astronauta" e "Consolação", manteve uma igualmente rica parceria com Paulo César Pinheiro, como provam "Lapinha", "Samba do perdão", "Aviso aos navegantes" e "É de lei", além de também fazer músicas com, entre outros, Aloysio de Oliveira, Geraldo Vandré e Ruy Guerra.
Do fim dos anos 1960 ao início da década de 1990, Baden viveu entre a França e a Alemanha. Gravou regularmente e excursionou por toda a Europa com um repertório que incluía, além de seus clássicos autorais, temas da música clássica, do jazz e do folclore.
"Vai! Vai! Vai! Vai!
Não vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não vou!...
Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor
Que passou
Não!
Eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor..."
Lulu Santos
Geralmente associado à safra do rock brasileiro dos anos 1980, Lulu Santos começou a carreira na década anterior, período em que participou como guitarrista de grupos que ficaram restritos aos circuitos alternativos do Rio de Janeiro, sem discos ou turnês pelo país. Entre eles, estava o Vimana, o único que chegou a gravar um compacto simples numa grande gravadora, mas que passou em branco apesar de também estarem na banda outras futuras estrelas do rock dos anos 1980, como Lobão e Ritchie.
Luiz Maurício Pragana dos Santos valeu-se da experiência nesses tempos de vacas magras, de seu conhecimento enciclopédico do rock (desde que se encantou pelos Beatles no início dos anos 1960) e de uma temporada como assistente de produção de trilhas de novela na Som Livre para se transformar no artista de maior apelo pop de sua geração. A coleção de hits radiofônicos começa em 1982, quando lançou seu primeiro álbum solo, Tempos modernos, que trazia seis parcerias com Nelson Motta, seu principal letrista nesse início de carreira.
Os sucessos que emplacou desde então ultrapassaram as fronteiras do gênero, e muito têm sido regravados por diferentes artistas brasileiros, estrelas da MPB, do pagode ou do sertanejo. É um conjunto de obra de peso, celebrada na homenagem ao cantor, compositor e guitarrista na 15a edição do Prêmio da Música Brasileira, com uma lista que passa por "Como uma onda", "Certas coisas", "Um certo alguém", "De repente Califórnia", "Tempos modernos", "O último romântico", "Sábado à noite" e "Toda forma de amor".
Mesmo tendo o rock como base, em sua carreira Lulu não se prendeu a um ritmo só, incorporando referências do samba, da bossa nova, da disco music, do rhythm and blues e do hip-hop. O leque de colaborações em disco ou no palco nessas três décadas de carreira solo também é abrangente, incluindo nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, o maestro tropicalista Rogério Duprat, o DJ Marcelo "Memê" Mansur, Jorge Mautner, Nelson Jacobina, Marcos Valle e Ed Motta.
"Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo
Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar
Como uma onda no mar"
Ary Barroso
Autor daquele que é o hino informal do país, "Aquarela do Brasil", este mineiro de Ubá foi um multimídia bem antes de o termo existir. Um dos maiores compositores da música brasileira, também atuou como pianista, regente, radialista, político, humorista, apresentador de programas de auditório, locutor de futebol e flamenguista doente.
Órfão de pai e mãe aos 8 anos, criado pela avó materna e uma tia pianista, Ary de Resende Barroso começou a estudar piano na infância e, aos 12, já estava trabalhando, contratado por um cinema de sua cidade natal. Em 1920, graças à herança de um tio, o jovem de 17 anos mudou-se para o Rio, ode entrou para a faculdade de Direito. Entre desistências e voltas, cada vez mais envolvido com a música, trabalhando como pianista em orquestras populares e começando a compor, Ary só completou o curso em 1929, ano em que Mario Reis, seu colega na faculdade, gravou as duas canções que se tornaram os seus primeiros sucessos, "Vou à Penha" e "Vamos deixar de intimidades".
Na década seguinte, o diploma ficou na gaveta, enquanto o compositor não parou de crescer. O maior exemplo é "Aquarela do Brasil", apresentada em 1939 no espetáculo Joujoux et balangandans e em seguida gravada por Aracy Cortes e Francisco Alves. Até o surgimento da "Garota de Ipanema", de Tom e Vinicius, era a canção brasileira mais gravada no mundo. Mas Ary tem outras músicas que também ultrapassaram nossas fronteiras, muitas delas no repertório de Carmen Miranda ou em trilhas sonoras de Walt Disney.
Eleito vereador em 1946, o segundo mais votado naquele ano no então Distrito Federal, Ary Barroso também teve um papel fundamental na consolidação e na defesa do direito autoral. "O feijão subiu. O leite subiu. A carne subiu. O cigarro subiu. A cerveja subiu. Há uma febre de 'altitude' na vida de nossa terra. Os subsídios subiram. Os vencimentos dos funcionários civis e militares irão subir. Por que não querem admitir uma subidazinha nos direitos autorais dos compositores? É a eterna incompreensão! Certos cavalheiros ainda não se convenceram de que música, hoje em dia, é 'mercadoria' sujeita à lei da oferta e da procura. O clube abre seus salões para divertir seus associados. Paga à Light a luz que consome; paga à confeitaria as 'comidas' que come; paga aos músicos as horas que tocam. Só não quer pagar ao compositor, sem cujas melodias não haverá danças", escreveu ele no fim dos anos 1950, em texto disponível no site oficial do compositor.
Músicas como "Você já foi à Bahia?", "Na Baixa do Sapateiro", "Camisa amarela", "É luxo só", "No rancho fundo", "Na batucada da vida", "Pra machucar meu coração" e "Isso aqui o que é" também estão entre as que fazem de Ary o principal autor da Era do Rádio. E, como clássicos que são, continuam encantando e sendo regravadas nesses tempos de internet e MP3.
"Ôlará, ôlerê
Ô Bahia
Bahia que não me sai do pensamento
Faço o meu lamento, ô
Na desesperança, ô
De encontrar nesse mundo
Um amor que eu perdi na Bahia, vou contar
Ô Bahia
Bahia que não me sai do pensamento..."
Gal Costa
Principal voz feminina da Tropicália, musa e intérprete da contracultura dos anos 1970, diva de todos os brasileiros a partir da década seguinte, Gal Costa mudou através dos tempos sem perder a essência. Ligada à música desde a infância, Maria da Graça Costa Penna Burgos trabalhava numa loja de discos em Salvador quando, em 1959, foi sequestrada pela batida bossa-nova de João Gilberto. Paixão que compartilhou com seus conterrâneos e contemporâneos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Tom Zé.
Ao lado dos quatro e ainda em Salvador, Gal fez seus primeiros trabalhos profissionais em 1964, cantando nos espetáculos Nós, por exemplo e Nova bossa velha, velha bossa nova. No ano seguinte, radicada no Rio de Janeiro, gravou um dueto com Bethânia no primeiro disco da amiga e, em 1967, dividiu com Caetano o álbum de estreia de ambos, Domingo.
Com o advento do tropicalismo, a suavidade e a timidez iniciais foram substituídas pela estridência e pela confrontação, tendo entre suas inspirações o canto e a atitude de Janis Joplin. Foi um período que teve como ápice o show e disco ao vivo Fa-tal – Gal a todo vapor, de 1971, contando com as viscerais participações de Lanny Gordin e Pepeu Gomes, dois dos instrumentistas que conseguiram imprimir um sotaque brasileiro à guitarra elétrica e roqueira. Três anos depois, em Cantar, álbum idealizado e produzido por Caetano com a influente participação do pianista, arranjador e compositor João Donato, Gal passou a conciliar as influências da eterna bossa com a procura por novas referências.
Desde então, mais madura e técnica, também esbanjou seu belo e peculiar timbre (entre o metálico e a doçura) num repertório que vai dos clássicos populares de Dorival Caymmi, Ary Barroso e Tom Jobim a compositores de sua geração ou novos autores.
Em 2011, com Recanto – seu último disco de estúdio até o momento, e que já rendeu um CD e um DVD ao vivo –, Gal retomou as ambições vanguardistas em mais uma estreita parceria com Caetano, que escreveu todas as canções e dividiu a produção com o filho, Moreno Veloso.
"Não sei, comigo vai tudo azul
Contigo vai tudo em paz
Vivemos na melhor cidade
Da América do Sul, da
América do Sul
Você precisa, você precisa,
você precisa
Não sei, leia na minha camisa
Baby, baby, I love you
Baby, baby, I love you"
Não houve cerimônia nem homenageado
Jackson do Pandeiro
Paraibano do lugarejo de Alagoa Grande, José Gomes Filho chegou ao Rio de Janeiro em 1953 já com duas décadas de carreira profissional no Nordeste. Começou a tocar zabumba aos 8 anos, aos 17 anos trabalhou como baterista e percussionista e, em 1939, adotou o codinome Jack do Pandeiro na dupla com José Lacerda. O "son" seria adicionado ao nome artístico em 1948, no Recife, em outro duo, agora com Rosil Cavalcanti, também seu parceiro nas composições iniciais – e autor do coco "Sebastiana", o primeiro sucesso de Jackson do Pandeiro, lançado no ano em que ele chegou à então capital federal.
A partir de "Sebastiana", graças às suas divisões rítmicas surpreendentes, seu gingado e senso de humor, mostrou que havia lugar para outro gênio musical popular no Nordeste além do Rei do Baião. O estilo de Jackson tem origem no coco, ritmo nordestino em que as raízes africanas são mais visíveis, mas misturado a sambas, baiões, frevos, maracatus e até rumbas, que também tocavam nas rádios e Campina Grande, João Pessoa e Recife. Pelo rádio e pelas chanchadas no cinema, a arte de Jackson iluminou e divertiu o Brasil dos anos 1950.
A partir do fim da década seguinte, a regravação de seus sucessos por artistas como Gilberto Gil ("Chiclete com banana" e "O canto da ema") e Gal Costa ("Sebastiana") renovou seu público, processo que continuaria nos anos 1970, quando excursionou pelo Brasil em dupla com Alceu Valença. Este resumiu em uma frase a importância e o estilo inconfundível do ídolo: "Costumo sempre dizer que o Gonzagão é o Pelé da música e o Jackson, o Garrincha".
Após sua morte, em julho de 1982, além do tributo realizado na 11a edição do Prêmio da Música Brasileira, em 1998, Jackson do Pandeiro continuou sendo uma referência fundamental para a nova música nordestina, regravado e reverenciado por dezenas de novos artistas, incluindo Silvério Pessoa, que gravou um tributo a Jackson em 2003, e Lenine, que lhe dedicou o sucesso "Jack Soul Brasileiro".
"Já cansada no meio da brincadeira
e dançando fora do compasso
segurei Bastiana pelo braço
e gritei: não faça sujeira
o xaxado esquentou na gafieira
Sebastiana não deu mais fracasso
e gritava: a e i o u 'pisilone'
e gritava: a e i o u 'pisilone'
e gritava: a e i o u 'pisilone'"
Rita Lee
A mais completa tradução do rock no Brasil, a paulistana Rita Lee formou grupos na adolescência, mas sua carreira profissional teve início com Os Mutantes. Completado pelos irmãos Arnaldo (dias) Baptista e Sérgio Dias (Baptista), o trio teve um papel decisivo na Tropicália, contribuindo para o sotaque pop e psicodélico que o movimento encabeçado por Caetano, Gil e Tom Zé procurava.
Em 1967, o grupo ganhou notoriedade nacional acompanhando Gilberto Gil na apresentação de "Domingo no Parque" no III Festival da Música Popular Brasileira, na TV Record. Contratados pela Philips, Os Mutantes lançaram seu primeiro álbum em 1968, mantendo a mistura de pop com ritmos regionais brasileiros, num repertório com temas originais ou de Gil, Caetano, Jorge Ben Jor e Tom Zé. O vanguardismo desses primeiros discos, lançados entre 1968 e 1972, também foi reconhecido a partir dos anos 1990 por artistas do rock anglo-americano como Kurt Cobain, David Byrne e Beck.
Rita Lee deixou os Mutantes em 1973, mas continuou roqueira e irreverente e avançou ainda mais, como provam seus primeiros discos solo, com sucessos como "Mamãe natureza", "Menino bonito", "Jardins da Babilônia" e "Agora é moda". No entanto, foi a partir da parceria e do casamento com o tecladista e guitarrista Roberto de Carvalho, em 1978, que ela se reinventou e atingiu o status de superestrela. Desde então, abrindo ainda mais seu leque de referências, o pop de Rita flerta com boleros, marchinhas carnavalescas, bossa nova, dance music e o que mais estiver ao seu alcance. Esse "rockarnaval" marca sucessos como "Lança perfume", "Baila comigo", "Mania de você", "Chega mais", "Doce vampiro", "Bem-me-quer" e "Caso sério".
Ao longo dos anos, Rita também estreitou parcerias com Gilberto Gil (na turnê de 1977 que virou o disco ao vivo Refestança), João Gilberto (convidada pelo papa da bossa nova para cantar num especial de TV) e Ed Motta (parceiro em sucessos como "Colombina" e "Fora da lei"). Ignorando fronteiras, com humor e musicalidade, a roqueira Rita Lee criou clássicos incorporados ao cancioneiro da MPB.
"Baby, baby
Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar
Baby, baby
Não vale a pena esperar
Oh! Não!
Tire isso da cabeça
E ponha o resto no lugar"
Milton Nascimento
O carioca mais mineiro do Brasil, Milton Nascimento fundiu com perfeição nossas tradições musicais e referências do jazz, ritmos latino-americanos e pop. O resultado é único, de apelo universal, tanto que já nos primeiros anos de carreira a arte do cantor e compositor começou a ganhar o mundo.
Nascido no Rio, mas criado em Três Pontas (Minas Gerais), ele começou na música desde a adolescência, tocando em grupos de baile de sua cidade ou de bossa nova e jazz em Belo Horizonte no início dos anos 1960. Em 1967, à revelia do autor, o cantor Agostinho dos Santos inscreveu três composições de Milton no Festival Internacional da Canção daquele ano. Entre elas estavam "Travessia" (parceria com Fernando Brant, classificada em segundo lugar) e "Morro Velho" (que ficou com o sétimo lugar), proeza que lhe garantiu o contrato para o seu primeiro disco, Milton Nascimento, com arranjos e piano de Luiz Eça. Um ano depois, com o aval de Eumir Deodato e Quincy Jones, entre outros, gravou nos Estados Unidos o álbum Courage, o primeiro de seus muitos projetos internacionais.
Compositor ao mesmo tempo sofisticado e popular, dono de um dos timbres vocais mais expressivos do Brasil, Milton sempre gostou de trabalhar em grupo, cercando-se de muitos parceiros (além de Brant, nos primeiros anos os letristas mais frequentes foram Ronaldo Bastos e Márcio Borges), instrumentistas e arranjadores. Gente que formou o coletivo avant la lettre Clube da Esquina (também o nome de uma canção em parceria com os irmãos Márcio e Lô Borges e de dois discos duplos e coletivos, lancados em 1972 e 1976).
Sem sede ou estatuto, esse informal Clube reuniu ainda, entre outros, Wagner Tiso, Robertinho Silva, Beto Guedes, Toninho Horta, Nelson Ângelo, Nivaldo Ornelas, Luiz Alves, Naná Vasconcelos, Novelli e Flávio Venturini. Através dos anos, Milton também desenvolveu trabalhos com grandes nomes da MPB (Elis, Gil, Chico, Caetano, entre outros), do jazz e do pop, como Wayne Shorter (o disco Native dancer, lançado em 1975 e desde então uma referencia no encontro de MPB e jazz), Herbir Hancock, Hubert Laws, Ron Carter, Par Metheny e Jon "Yes" Anderson.
"Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar"
Elis Regina
Em um país de tantas cantoras, Elis Regina é para muitos a maior da MPB. Apesar da vida breve, a pequena gaúcha deixou uma grande e variada obra discográfica em que se destacam a técnica impecável e a voz de belo e inconfundível timbre. Elis começou a cantar aos 11 anos numa emissora de rádio gaúcha e, até o início dos anos 1960, lançou quatro álbuns de repertório aquém de seu talento, passando por rocks baladas, boleros e sambas. Aos 20 anos, conquistou o Brasil ao vencer, em abril de 1965, o I Festival de MPB da extinta TV Excelsior como intérprete de "Arrastão" (Edu Lobo e Vinicius de Moraes).
Três décadas após a morte precoce, Elis é uma referência obrigatória para novas cantoras da MPB e também do jazz. Em 1964, radicada no Rio, ela brilhou no Beco das Garrafas, reduto de bares e clubes de bossa nova e samba-jazz em Copacabana, onde se apresentou acompanhada de instrumentistas como o baterista Dom Um Romão e o pianista Dom Salvador. Foi lá também que Elis conheceu o coreógrafo americano Lennie Dale, que contribuiu para o gestual que a cantora passou a incorporar em suas interpretações e que teria tanto impacto no início de sua carreira televisiva.
Após a consagração de "Arrastão" no festival, Elis comandou na TV Record o programa "O fino da bossa" e só naquele ano de 1965 lançou três álbuns: Samba eu canto assim, O fino do Fino / Ao vivo com o Zimbo Trio e Dois na bossa. Este último, em dupla com Jair Rodrigues, seu parceiro no programa de televisão, teve mais dois volumes nos anos seguintes.
Caso raro de unanimidade entre público e crítica, Elis também foi a voz fundamental para a consolidação da carreira de muitos compositores, numa lista que passa por Edu Lobo, Gilberto Gil, Milton Nascimento, João Bosco & Aldir Blanc, Ivan Lins & Vitor Martins, Belchior, Renato Teixeira e Tunai & Sérgio Natureza. Na extensa discografia, um dos destaques é o disco que dividiu em 1974 com Jobim, Elis & Tom, ao lado de álbuns como Elis (1966), Falso brilhante (1976) ou Essa mulher (que, em 1979, apresentou ao Brasil o clássico "O bêbado e a equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc).
"Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar..."
Gilberto Gil
A "geleia geral brasileira" que cantou em 1968, na parceria com o letrista tropicalista Torquato Neto, Gilberto Gil logo acrescentou muitos outros sotaques. Sem perder a brasilidade, incorporou à sua música influências que passam pelos sons da África ancestral e contemporânea, pelo rock dos Beatles e de Jimi Hendrix, pelo soul de Steve Wonder e pelo reggae de Bob Marley. No que pode soar paradoxal, o artista de sua geração mais aberto ao pop internacional é também o que soa mais regional, como prova nos últimos anos seu mergulho no forró.
Como seus contemporâneos revelados nos festivais competitivos dos anos 1960, Gil sofreu o impacto do canto e do violão revolucionário de Joao Gilberto. No entanto, antes disso, durante a infância no interior baiano, já tinha despertado para a música graças aos sanfoneiros das feiras e aos sucessos de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro que ouvia no rádio e nos autofalantes da pequena Ituaçu. Apesar da paixão e do talento revelados cedo, Gilberto Passos Gil Moreira formou-se em administração de empresas e foi trabalhar na sede paulistana de uma multinacional. Mas o sucesso nos festivais e um contrato assinado em 1966 com a gravadora Philips fizeram Gil trocar o emprego seguro pela música.
Em 1968, com, entre outros, Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, os maestros Rogério Duprat e Júlio Medaglia, os poetas Torquato Neto e Capinam e o designer Rogério Duarte, ele foi um dos criadores da Tropicália, movimento que misturou à MPB ingredientes das vanguardas, do pop internacional e do kitsch. Presos em dezembro daquele ano, após o Ato Institucional n° 5 que deu mais poderes aos ditadores militares, Gil e Caetano foram obrigados a abandonar o Brasil e viver três anos em Londres.
Em cinco décadas de carreira, mesmo sendo um compositor autossuficiente em letra e música, também manteve muitas e diferentes parcerias, que passam por Torquato, Capinam, Rogério Duarte, Caetano Veloso, Jorge Mautner, João Donato, Chico Buarque, Cazuza, Waly Salomão, Arnaldo Antunes e Liminha. Além da atuação na música, envolveu-se na política como vereador mais votado de Salvador nos anos 1980, um dos fundadores do Partido Verde e ministro da Cultura no governo Lula entre 2003 e 2008.
"Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar
(não adianta não)
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim"
Ângela Maria & Cauby Peixoto
Dois dos maiores cantores populares do Brasil, Ângela e Cauby chegaram ao sucesso no início dos anos 1950 e desde então têm mantido o elo com o público. Apesar de seguirem carreiras individuais, sempre tiveram muitas afinidades e, em 1982, gravaram o primeiro disco em dupla, Ângela & Cauby. A essa altura, também já tinham o status de artistas cult, sendo influência marcante para dezenas de cantores e compositores das gerações seguintes, incluindo Elis Regina, Roberto Carlos, Chico Buarque, Milton Nascimento e Ney Matogrosso.
Nascida nos arredores de Macaé, no estado do Rio, Ângela Maria começou a cantar na infância, no coro da igreja evangélica frequentada pelos pais. Durante a adolescência, já vivendo com a família no Rio, ela trabalhava como operária durante o dia e, à noite, tentava a sorte como cantora participando de programas de calouros no rádio. Em 1948, assinou o primeiro contrato profissional como crooner do Dancing Avenida e logo depois entrou para o elenco da Rádio Mayrink Veiga. Estreou em disco em 1951 e, no ano seguinte, atuou no cinema. Com seu repertório de boleros e sambas-canções, tornou-se a cantora mais popular do período, eleita seguidas vezes Rainha do Rádio e Rainha dos Músicos.
De uma família muito musical – pai violonista, tio pianista, os irmãos Andyara, Moacyr e Araken também músicos, assim como o primo, o sambista Ciro Monteiro –, Cauby Peixoto começou a cantar na adolescência, participando de programas de calouros no Rio. A partir de 1949, trabalhou em boates cariocas e paulistanas, gravando o disco de estreia em 1951. Sambas, marchinhas, boleros, serestas, sucessos norte-americanos (como a versão de "Blue Gardenia", que se tornou seu primeiro grande sucesso nas rádios) e até o nascente rock 'n' roll estavam no eclético repertório inicial de Cauby. Nesse período, também se apresentou nos Estados Unidos, onde gravou um álbum com a orquestra de Paul Weston adorando o nome artístico de Rob Coby. A partir dos anos 1970, o repertório de seus discos também incluiu composições escritas por nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso e Tom Jobim.
Seis décadas depois de estrar, o Professor (como passou a ser chamado no meio artístico) continua cantando bem e de tudo, e há quase dez anos é atração fixa uma casa noturna de São Paulo, onde se apresenta às segundas-feiras.
"Se o amor tem fulgor de brilhantes
Fiel como ouro de lei
Se o Amor é o tesouro que eu encontrei
No coração eu guardarei
Verás com os lábios nos meus
Que é o amor o milagre de Deus"
Luiz Gonzaga
Ele chegou ao Rio em 1939, tocando valsas, polcas, boleros, tangos, rancheiras, foxtrotes e demais gêneros que faziam sucesso na então capital federal. Após um ano de trabalho pesado em bares da Lapa e do Mangue, festas no subúrbio e programas de auditório, ao atender ao pedido de um grupo de estudantes cearenses em um botequim do Mangue para interpretar ritmos nordestinos, Luiz Gonzaga percebeu que aquele poderia ser um novo caminho.
O sucesso do chamego "Vira e mexe", que apresentou em 1941 no programa de calouros de Ary Barroso, confirmou sua intuição, e nos anos seguintes o sanfoneiro nascido em Exu, no interior de Pernambuco, aumentou o índice de "nordestinidade" em seu repertório. A mistura de calangos, cocos, xotes, chamegos, toadas com polcas, mazurcas e marchas resultaria no "Baião", ritmo e canção (em parceria com Humberto Teixeira) que lançou em 1945, um divisor de águas na sua carreira e também na música popular brasileira.
O gênero arrebatador, que após levantar poeira nos forrós pé-de-serra fez o Brasil inteiro dançar, e a indumentária inspirada nos cangaceiros de sua terra transformaram Luiz Gonzaga no Rei do Baião. Como costuma frisar Gilberto Gil, um de seus fãs, Gonzagão foi o primeiro popstar brasileiro. A lista de clássicos que compôs e gravou é admirável: de "Asa branca" a "Assum preto", passando por "Respeita Januário", "Vem, morena", "Vozes da seca", "Riacho do navio", "O xote das meninas" etc. Entre a estreia discográfica e o fim dos anos 1950, ele foi o maior vendedor de discos do Brasil, tendo lotada a agenda de shows do Norte ao Sul do país.
No fim dos anos 1960, após um período de esquecimento, Luiz Gonzaga foi regravado e reverenciado por artistas como Gilberto Gil, Gal Costa e Caetano Veloso, o que deu novo impulso à sua carreira. O reconhecimento continuou nas duas últimas décadas de vida, quando também fez shows e gravou com o filho Gonzaguinha e o cearense Fagner, e pôde assistir ao surgimento de uma nova safra de artistas nordestinos de sucesso.
"Mar e terra
Inverno e verão
Mostro o sorriso
Mostro a alegria
Mas eu mesmo não
E a saudade no coração"
Elizeth Cardoso
Não por acaso, ela ganhou o apelido de Divina.
Para muitos, foi a mais completa intérprete brasileira, independentemente de gênero, passeando com delicadeza por samba, clássicos como a ária da "Bachianna n° 5" de Villa-Lobos, valsa, choro ou bossa nova. Descoberta aos 16 anos por Jacob do Bandolim, que a chamou para um teste na Rádio Guanabara, Elizeth Cardoso cantava desde criança. Com o pai, que tocava violão, e a mãe, que gostava de cantar, frequentou as lendárias reuniões musicais na casa da Tia Ciata, na chamada Pequena África, um dos berços do samba. Desde os 10 anos também trabalhou (como balconista, cabeleireira e numa fábrica) para ajudar no orçamento doméstico, mas sem largar a música.
Após o encontro com Jacob, quando também conheceu Noel Rosa, ela aprimorou sua voz e sua técnica admiráveis em tudo o que era lugar: programas de rádio, shows em clubes, orquestras de dança, circos e cinemas. Em 1939, na Rádio Mayrink Veiga, trabalhou com outro iniciante, Dorival Caymmi, e nesse mesmo ano formou com o ator Grande Otelo uma dupla que manteve no ar por uma década o quadro radiofônico "Boneca de piche".
Estreou em disco em 1949 e emplacou seu primeiro sucesso já no segundo 78 rotações, com "Canção de amor". Em 1958, seria a escolhida por Vinicius de Moraes e Tom Jobim para gravar Canções do amor demais, o álbum com as canções da dupla que é considerado um marco divisor na música brasileira ao consolidar a batida e as conquistas formais da bossa nova.
Em sua imensa discografia, Elizeth esbanjou bom gosto e técnica impecável acompanhada por alguns dos melhores instrumentistas e arranjadores do Brasil. Além do álbum com Vinicius e Tom (com a estreia do revolucionário violão de João Gilberto em duas faixas, "Chega de saudade" e "Outra vez"), fez muitos outros títulos obrigatórios numa coleção básica da MPB, como Elizeth sobe o morro, A enluarada Elizeth, Uma rosa para Pixinguinha (com Radamés Gnattali e Camerata Carioca), Todo o sentimento (com Raphael Rabello) e os dois volumes de Ao vivo no Teatro João Caetano (com Jacob do Bandolim, Época de Ouro e Zimbo Trio).
"Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca"
Maysa
Compositora de clássicos da canção romântica e intérprete de repertório eclético, ela se impôs como uma das personagens mais marcantes da música brasileira dos anos 1950 e 1960. Maysa Figueira Monjardim Matarazzo também foi uma mulher à frente de seu tempo, rompendo com os preconceitos da sociedade machista de sua época para despontar como artista inovadora e influente.
O talento para a música revelou-se ainda na adolescência: ela tinha 12 anos quando compôs "Adeus", samba-canção que, oito anos depois, foi gravado no seu primeiro disco, Convite para ouvir Maysa. Lançado em 1956 e totalmente autoral, esse álbum também trazia músicas como "Marcada", "Rindo de mim" e "Resposta", enquanto o volume 2, editado dois anos depois, apresentava mais clássicos, como "Ouça", "Meu mundo caiu" e "Quando vem a saudade".
O impacto desses dois discos foi enorme, assim como o causado pelas suas primeiras apresentações no rádio e na TV. O sucesso popular e o reconhecimento da crítica (entre 1956 e 1958, acumulou troféus de revelação, melhor cantora, melhor letrista) abalaram seu casamento com um empresário de tradicional família paulistana. Obrigada a optar entre a carreira artística e o matrimônio, não pensou duas vezes. Pode parecer simples hoje, mas foi um escândalo na época, o que só aumentou a popularidade de Maysa, que, em 1958, virou a mais bem paga cantora do Brasil.
Consagrada por suas canções de fossa, em 1960, após trocar São Paulo pelo Rio, ela também flertou com a bossa nova, gravando nesse mesmo ano o álbum O barquinho, um marco no gênero. Nesse período, sua arte também começou a rodar o mundo. Em 1960, foi a primeira cantora brasileira a se apresentar no Japão, além de excursionar com frequência por diversos países da América Latina, pela Europa e pelos Estados Unidos (onde gravou o álbum Maysa sing songs before dawn). Sem fronteiras estilísticas, até o fim precoce, em um acidente de carro em janeiro de 1977, Maysa cantou de tudo: os clássicos compostos por ela própria, standards de Cole Porter, bossa nova, bolero ou chansons como "Ne me quitte pas", de Jacques Brel.
"Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu
E você fez questão de não dar
Fez questão de negar
Quando a lembrança
Com você for morar
E bem baixinho
De saudade você chorar
Vai lembrar que um dia existiu
Um alguém que só carinho pediu
E você fez questão de não dar
Fez questão de negar"
Dorival Caymmi
Um dos inventores da Bahia como a conhecemos, Dorival Caymmi também foi um dos mestres fundadores da canção popular brasileira moderna. Com seu rigor, lapidando cada composição até chegar ao formato ideal, criou clássicos instantâneos, que desde então têm disso gravados e regravados. Também acenou com novos caminhos estilísticos, que primam pela aparente simplicidade e, entre outros feitos, estabeleceram as bases para o surgimento da bossa nova.
A partir de Carmen Miranda, que em 1939 gravou "O que é que a baiana tem?" no filme Banana da terra, a sua obra caiu no gosto do público e foi adotada por dezenas de cantores, mas o próprio Caymmi, ao violão, é o melhor e mais rigoroso intérprete de suas músicas. Algo que pode ser comprovado nos discos que gravou a partir dos anos 1950, incluindo Caymmi e seu violão (1959) e Eu não tenho onde morar (1961).
Além da série de canções praieiras e dos retratos de personagens típicos ligados à infância e à adolescência em Salvador, Caymmi escreveu sofisticando sambas-canções nos quais fundiu sua baianidade com a carioquice que adquiriu instantaneamente ao se radicar no Rio em 1938. A canção popular sempre foi seu meio de expressão, mas Caymmi também era um apaixonado pela música clássica, especialmente pelos compositores do período impressionista, como Claude Debussy, influência que pode ser observada no tema "Sargaço mar".
Valsas, modinhas, temas do folclore, sambas e cânticos da religiosidade afro-baiana, que, pioneiramente, incorporou aos seus temas, também estiveram no balaio de referências do compositor, cantor e violonista. A partir dessas fontes tão diversas, criou um estilo original, único e atemporal.
Homenageado no 2o Prêmio da Música Brasileira, em 1989, então aos 75 anos, Caymmi manteve-se em atividade até perto do fim da vida, em agosto de 2008. Além das canções que deixou, passou o bastão musical para os três filhos, a cantora Nana e os também compositores Dori e Danilo.
"O nosso amor não teve querida
as coisas boas da vida
E foi melhor para você
E foi também melhor pra mim"
Em 66 anos de vida, Vinicius de Moraes foi muitos e único.
Poeta, diplomata, jornalista, crítico de cinema, compositor, cantor, bon vivant, carioca da gema e cosmopolita, o "branco mais preto do Brasil", com sua lírica natural e inovadora, virou uma referencia para a canção popular brasileira moderna.
O encontro em 1965 com Tom Jobim, então o jovem compositor escalado para musicar a peça Orfeu da Conceição e dois anos depois o seu parceiro e arranjador no disco de Elizabeth Cardoso Canção do amor demais, foi fundamental para o surgimento da bossa nova.
No entanto, em termos de estilo, a produção musical de Vinicius é muito maior e abrangente. Começa antes de Jobim (nos anos 1930, escreveu suas primeiras letras para músicas dos irmãos Haroldo e Paulo Tapajós) e prossegue influente com tantos outros parceiros, como Carlos Lyra, Moacir Santos, Adoniran Barbosa, Baden Powell (com quem, no início dos anos 1960, fez a série de afro-sambas que abriu novas vertentes para a MPB ao utilizar ritmos e temas do candomblé), Edu Lobos, Francis Hime, Chico Buarque e Toquinho (este, também companheiro nos palcos da última e intensa década de vida). A obra musical de Vinicius e parceiros é enorme, clássicos que continuam sendo cantados, gravados e regravados por centenas de intérpretes no Brasil e mundo afora, incluindo as canções com letra e música apenas dele, como "Serenata do adeus" e "Medo de amar" – ambas lançadas no seminal disco de Elizeth Cardoso, em 1958.
Ao trocar a poesia pela música popular, Vinicius foi questionado por alguns de seus colegas das letras, que torciam o nariz para aquela atividade "menor". Em 1969, perdeu o posto no Itamaraty por não se alinhar ao regime militar que desgovernava o país desde 1964. No entanto, vida e obra provaram que ele tinha feito as escolhas certas.
No século XXI, Vinicius não para de encantar, cada vez mais presente e influente. Seja na música ou na poesia (redescoberta nos últimos anos), passou ao largo das disputas estéticas e ideológicas que marcaram o setor entre as décadas de 1950 e 1970 e se impôs por sua força lírica.
"Existiria a verdade
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você"